Para onde vai a Esquerda?

Imagem: Esquerda Diário

Estivemos no debate realizado pelo MRT na casa Marx com o tema: "Para onde vai a Esquerda?".

Componente da mesa: Glauber Braga, Vladimir Safatle, Diana Assunção, Ricardo Antunes, Plínio de Arruda Jr., com mediação da professora Grazi Rodrigues.

Casa Marx: Debate 05.04.25

A mesa iniciou com falas de 15 minutos para cada membro, seguida de perguntas do público. Nos perguntamos que tipo de debate é esse, onde discursos se colocam como falas solitárias, nos seus próprios termos.

Para os leitores que quiserem ouvir as falas na íntegra, consultem a gravação abaixo:

https://drive.google.com/file/d/1S06SGLPu9jIlYHJm-e0dmNs-N9_welf-/view?usp=sharing

Para ver e ouvir nossa pergunta ao Prof. Antunes, acessem nosso instagram:

https://www.instagram.com/parvascientia/

Editorial

Um debate representado por discursos isolados é uma caricatura pronta do estado atual da esquerda. Com isso não queremos dizer que apoiamos uma frente ampla, mas que um espaço de diálogo e construção não pode dar-se segunda uma lógica de performance, cujas discordâncias são distribuídas entre alfinetadas ignoradas.

Para entendermos essa lógica performática, retomemos o que o professor Ricardo Antunes mencionou em mesa: após o fim da URSS, os partidos comunistas caminharam para a social-democracia e esta, por sua vez, se aproximou e se aproxima cada vez mais da política liberal das alianças com a burguesia nacional, o que, no fundo, apenas evidencia o caráter autoritário e mistificado dessa esquerda, na medida em que nessas alianças prevalece sempre o interesse que se alinha à expansão do capital. Um exemplo claro são as políticas de austeridade fiscal, como coloca o professor Plínio, até então, pétreas. No momento em que se fez necessário um orçamento de guerra para lidar com a ameaça da Rússia, todo o caráter cristalizado de austeridade se desfez. Nossa pergunta é a mesma do professor: onde está o orçamento social para dar cabo à guerra que a classe trabalhadora enfrenta diariamente? E mais a fundo, onde está uma esquerda que se elabore teoricamente para que, em sua ação, não seja autodestrutiva como bem coloca o Professor Ricardo Antunes lembrando-nos da Comuna de Paris, única e majestosa experiência cuja destruição deu-se por um inimigo e não por si própria?

A questão é que mesmo com o abandono por parte da maioria dos partidos do projeto de revolução marxista-leninista, a episteme materialista soviética se faz ainda muito influente no pensamento revolucionário de esquerda, como se evidenciou nesse debate. Vejam, não se trata de uma mera reprodutibilidade retórica, mas sim uma espécie de performance discursiva que se impõe sobre as análises conjunturais, sobre as atividades práticas de resistência e enfrentamento, sobre os gritos de agitação - que por sua vez são majoritariamente aglutinados sob a lógica da indústria cultural (ver entrevista: "Theodor Adorno - Music and Protest").

Queremos dizer que o objetivo de tomada do poder, que não se esvai nem da esquerda revolucionária nem da social-democracia, implica uma positivação do mero existente, uma capitulação da revolta por aquilo que ela pretende se emancipar: pelo fetichismo e pela alienação. Reproduzem a episteme soviética, pois mais nada apresenta-se como possível após a derrota internacional do proletariado. É como um sujeito que doente diante do luto estagnou-se em sua condição patológica para que nunca mais tenha a chance de enfrentar de novo a perda, para que se deite perante o sentimento do pavor e do medo. A assombração dos milhares de corpos caídos em Stalingrado perturba as noites de sono da esquerda e assim sua capacidade de sonhar é reprimida.

O que seria, então, uma alternativa à integração da revolta no poder? Bem, aqui abre-se um campo extenso em que poderíamos divagar sobre, mas que ao fazê-lo estaríamos extrapolando o objetivo desta matéria. Contudo, o que se apresenta como evidente é que qualquer tentativa de governo nos moldes estatais recai em uma perpetuação da clivagem entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, estruturando uma classe burocrática que perpetua a violência social em nome do Partido. É importante o destaque que Ricardo Antunes deu à Comuna de Paris, pois a afirmação acima posta não possui a pretensão de negar a necessidade do definhamento do Estado, mas sim de enfatizar que tal definhamento só se torna possível através da supressão daquilo que fundamenta a máquina estatal em seu cerne: a forma mercadoria. Entretanto, extinguir a forma mercadoria não se faz possível através da forma Partido, como formulada por Lenin, pois esta é limitada às ações da tomada de poder da máquina estatal. Mesmo que seja um Partido de “novo tipo”, sua subversão recai nas próprias contradições de seu fim, limitando sua negatividade.

Exposição do Debate (Transcrição de notas)

Registramos pontos centrais das falas abaixo, que estão disponíveis na íntegra em áudio caso seja do interesse do leitor.

Prof. Ricardo Antunes, professor titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Começa sua fala falando da tragédia da revolução russa, a stalinização. Descreve um mundo onde os Partidos Comunista caminham em direção à social-democracia. No Brasil esse movimento se deu pelo PT, que estabelece um núcleo dominante avesso à formação comunista, um novo sindicalismo que aproxima-se da institucionalidade burguesa que terminou por o fagocitar. Processo que ocorre, segundo o professor, também no PSOL.

Passa então a tratar do capitalismo de plataforma, da ampliação do trabalho morto e a morte do trabalho vivo (Karl Marx, O Capital Vol 3). Rejeita a noção de capitalismo pós-industrial, na verdade trata-se de uma ruptura metabólica do capital que para expandir destrói. Questiona: Há uma possibilidade civilizatória pela via da institucionalidade? O que é uma Esquerda contra a ordem? Uma esquerda contra a ordem, continua o professor, não é uma esquerda que se posiciona completamente contra o parlamento, mas sim que assume para si uma postura extra-parlamentar, isto é, uma postura que tenha como horizonte o fim trabalho abstrato (assalariado).

Glauber Braga, Deputado Federal pelo PSOL.

Para resistir ao avanço da extrema direita, cria-se a narrativa da necessidade de um abraço da ordem. O problema é quando a articulação tática torna-se uma linha.

É preciso compreender que a luta hoje é contra uma extrema na direita que na forma apresenta-se como "anti-sistema" mas cuja face é a mais dura realidade do sistema. A preocupação deve ser com o desalentado, com o 30% do eleitorado desencantado a partir de propostas concretas de melhoria real. A conquista desse eleitorado só pode se dar com a esperança, com a construção de uma plataforma comum entre movimentos já existentes.

Prof. Plínio de Arruda Sampaio Júnior, Professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp. Autor do livro Crônica de uma Crise Anunciada: crítica à economia política de Lula e Dilma. Filiado ao PSOL.

A resposta à pergunta do debate, segundo o professor, depende da interpretação histórica que a classe trabalhadora produz. O capitalismo da crise econômica permanente, da catástrofe ambiental, das rivalidades nacionais, como o compreendemos? Trata-se de um projeto de mercado ausente de Estado, uma Mega Feitoria Moderna.

Nesse sentido, a revolução não é uma necessidade, mas uma urgência, postergada pela estratégia da direita que polariza a esquerda entre revolução e contra-revolução.

O Prof. Plínio passa então para uma análise do orçamento de guerra europeu, dos Falcões de Bruxelas, que superaram repentinamente a austeridade fiscal em nome dos tambores de guerra que ensurdecem a Europa. O Professor questiona, com maestria, onde está o orçamento popular fora da austeridade fiscal? Onde está a negação do núcleo desenvolvimentista como catástrofe ambiental?

É preciso fazer uso da vantagem da esquerda que, empurrada para fora do jogo institucional, pode fazer uso da marginalidade para fazer valer dois polos: luta e crítica. Só por meio da fusão entre estes dois polos é que se pode criar esperança. É preciso fundar uma ética da frugalidade, uma nova relação com a natureza e sair do programa democrático popular por meio da unificação da esquerda contra a ordem e contra a distorção atual em curso conduzida pela direção burocrata do PT e PSOL.

Prof. Vladimir P. Safatle, professor titular da cadeira de Teoria das Ciências Humanas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP).

O que nos chamou atenção durante a fala de Safatle foi o olhar de menosprezo e confusão contínuo de Glauber Braga. Um misto de ironia e mistificação, de aliança e rejeição. Para nós, parece fato cristalino, que Safatle equivocou-se ao ver no PSOL alguma chance de coalizão.

É preciso refletir sobre o que nos levou à uma derrota frente ao fascismo? A palavra exata, analítica, que define o que estamos enfrentando é o fascismo. A história brasileira tem um eixo fascista que conecta-se organicamente com nosso passado colonial. Trata-se da maior experiência necrófago da América Latina, constituiu-se um espaço natural para consolidação do fascismo brasileiro. O fascismo opera por meio da verdade, precisamos ouvir essa verdade: não há como salvar o capitalismo do capitalismo, não há como gerenciar suas crises. Não há como salvar a todos, a pergunta do fascismo é: de qual lado você quer estar? O capitalismo se assenta sobre duas ilusões fundamentais:

- A Extração infinita do valor da Terra e do Trabalho.

É um processo acelerado perpetuamente, o capitalismo não possui freios. No Brasil, essa extração de valor infinita do trabalho constituiu uma brutalização das relações, visível pelo adoecimento psíquico da população. A extração da terra, por outro lado, fica evidente quando observamos o agenciamento do Estado pelo agronegócio, por exemplo, a discussão do Plano Safra em plena semana de deterioração do território brasileiro por queimadas. Não há qualquer consciência do governo sobre a realidade do país. A Esquerda transfigurou-se em um discurso de traição, se escondendo por meio de subterfúgios para sua impotência. Ora são as correlações de forças negativas, ora são as condições geopolíticas globais.

Todo esse processo só é possível graças à um afeto: a dessensibilização, a indiferença. Fato visível pela cegueira neo-colonial quanto ao massacre em Gaza, um laboratório da brutalidade colonial. Então, qual a resposta da esquerda frente ao limite político corrente?

Não vamos naufragar junto ao governo petista.

Diana Assunção, Diretora Nacional do MRT.

O Vocabulário caricato do militante da performance profissional fica visível na figura de Diana Assunção. O espectro de um leninismo do espetáculo, uma negação teórica no final de contas. A diferença que o MRT enxerga entre si e os outros movimentos e partidos talvez não seja tão grande assim. Expressão necropolítica de um marxismo vulgar, o escândalo e a performance heroica são seus instrumentos. Todo ato é um reincidir perpétuo da revolução, um reacender contínuo de uma razão histórica que, para o militante profissional, apesar de apodrecida, segue viva.

Apresenta uma posição internacionalista e anti-imperialista, nega veementemente uma possibilidade de conciliação de classe proposta pela frente ampla Lula/STF. Vê no fortalecimento do STF um aparato institucional que se voltará contra a classe trabalhadora. Já no PT enxerga uma luta anti-fascista que se apoia no fascismo, cita a coligação do PT com partidos de direita em mais de 80 cidades.

O MRT declara-se como uma oposição de esquerda ao governo atual, conectado à luta internacional, cita como exemplo o PTs na Argentina e sua ruptura com o kirchnerismo. Constata, também, um ajoelhamento do PSOL ao PT, além da necessidade de uma superação destes partidos e da burocracia sindical como uma tarefa histórica. Vê na conjuntura nacional a greves dos professores universitários nacional e o breque dos apps como um sintoma de enfrentamento à Frente Ampla.

Diogo Leme e Guilherme P. Seidel

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